8 de julho de 2019 by José Nunes
Lino concede entrevista ao jornalista Carlos Herculano em 8 de outubro de 2012
1-Em Em nome do filho, de 1985, você trata de temas tabus para a época, como o homossexualismo e a Aids. Qual é a leitura que você faz do livro hoje, quase 30 anos depois? Você acha que estes temas ainda continuam sendo tabus?
Creio que foi a primeira vez que o tema da Aids foi abordado numa obra literária entre nós e, embora tenham sido gerados um livro e um filme a partir do drama de Cazuza, não vejo a Aids, apesar de controlada hoje, como um tema ficcional corrente no Brasil. Mesmo o homossexualismo não costuma comparecer com frequência entre os assuntos principais de nossas letras. De 1985 para cá a sociedade se tornou mais tolerante, os homossexuais se mostram em grandes paradas, seguindo uma manifestação fortemente carnavalesca, mas são ainda personagens secundários ou caricatos nas obras para o grande público, como nas novelas da televisão. Apesar do avanço da legislação que permite a união entre pessoas do mesmo sexo, gays continuam sendo vítimas de crimes violentos por todo o país. Se homossexuais dos dois gêneros se destacam cada vez mais em todos os âmbitos profissionais, em muitos contextos ainda não devem se declarar como tal, como faz, tão livremente, o prefeito socialista de Paris. As pessoas soropositivas, em sua maior parte, também não se sentem confortáveis para debater sua situação publicamente. Posso afirmar que, embora a situação seja bastante diferente hoje, Aids e homossexualismo continuam tabus não só literários como também entre os temas tratados no próprio quotidiano da população, mesmo sem resvalar para a questão religiosa.
2- A mesma pergunta creio que vale para A estação das chuvas, no qual você fala de um triângulo amoroso e do envolvimento com drogas, provavelmente com o daime. Como foi para você escrever estes romances?
A estação das chuvas foi escrito no início dos anos 1990, quando, em consequência da expansão da liberação sexual das décadas anteriores, havia sido popularizada a expressão “amizade colorida” para representar relações afetivas fora de compromissos oficiais. Ao mesmo tempo, uma bebida amazônica que provocava experiências sensoriais tornava-se permitida, se consumida dentro dos rituais de seitas religiosas como o Santo Daime ou a União do Vegetal. Triângulos amorosos sempre foram temas de interesse da literatura ou do cinema, embora a relação vivida entre uma mulher e dois homens não fosse, e acho que ainda não é, a mais habitual. Escrever estes dois romances, navegando nas águas de uma época que me envolvia, foi, na verdade, um desafio para abordar conteúdos que transcendem qualquer atualidade. Nos dois livros, meus personagens se debruçam sobre o grande mistério da vida e a perplexidade humana ao tomar conhecimento dos muitos fatores que envolvem nossos relacionamentos, tanto os familiares quanto os amorosos. Foram também produzidos numa época de explosão das terapias, na sequência da psicanálise, em que uma boa parte de nós tentava se conhecer melhor.
3- Você é mais conhecido como autor infanto-juvenil. Qual é a diferença entre escrever para crianças e para adultos?
É uma questão de adequação de linguagem, embora essencialmente meu grande tema perpasse todos os meus livros, já que todos os heróis que costumo criar buscam a própria identidade. São as circunstâncias que provocam as histórias que determinam para quem eu vou escrever. Tenho um grande prazer em escrever para crianças e adolescentes, mas certas obras serão, naturalmente, de interesse maior de um adulto, quando posso me sentir sem maiores constrangimentos para tratar dessas questões consideradas tabus, por exemplo.
4- Vamos falar dos dois romances inéditos. Dá para adiantar o nome deles, quais são os temas tratados?
O título é sempre a última coisa que eu defino, e chego a mudar várias vezes. Os dois romances ainda não têm nomes definitivos e carecem de novas leituras e revisões de minha parte, embora tenham prontas as versões iniciais, um deles já mais perto da versão final. Este trata de um encontro numa livraria entre dois homens, um leitor e um livreiro. O vendedor de livros decide escrever uma história, uma ficção, enquanto observa seu cliente e o livro que ele está folheando. Sem que o outro perceba, o livreiro passa a manusear outro exemplar do mesmo livro, procurando adivinhar o interesse daquele homem por aquelas páginas. Assim, a realidade e a imaginação vão se misturando, e o livro que o personagem-leitor lê vai se tornando ele mesmo uma espécie de personagem, conduzindo todos os acontecimentos. O veio principal é a solidão, da qual nenhum de nós consegue fugir, e as maneiras que inventamos para contorná-la. O segundo livro é uma paródia ou um pastiche de outros livros, inicialmente de As mil e uma noites, e tudo se dá no espaço virtual. Há uma narradora que inventa outro nome e outra origem para ela, além de uma cidade e uma casa para que possa morar nelas, sempre buscando como referências plausíveis as imagens que encontra na internet. É assim que constrói uma vida alternativa para si mesma. É outra condição da época em que vivo – o vasto mundo das informações digitais – dando o norte de minha literatura.
5- Como começou a sua trajetória como escritor? E como é viver em Belo Horizonte e continuar fazendo literatura aqui?
Eu queria ser editor, como viria a ser por cerca de quinze anos, e estudava editoração em Paris, quando fui estagiar em uma revista para crianças e ali fui levado a pesquisar sobre literatura infantil, tendo depois trabalhado numa biblioteca para crianças e jovens, sendo impelido a ir passando da editoração para a criação dos textos. Comecei escrevendo para crianças menores, depois para adolescentes e num terceiro momento para leitores adultos. Viver em Belo Horizonte é poder ter um ambiente em que eu me reconheço e que se torna cenário de uma grande parte de minhas narrativas, possivelmente um vasto espelho que reflete minha aventura humana. Continuar fazendo literatura aqui é viver mais próximo do que eu já conheço, do que me provoca a escrever.