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Antologias – Travessias singulares

TRAVESSIAS SINGULARES
Pais e filhos
Antologia organizada por:
Rosel Bonfim Doares
Casarão do Verbo

Sinopse:
E assim é. Há pais e filhos que vivem relações pautadas por perguntas, diálogos e respostas. Mas há também aqueles que nunca se entendem, sendo assim condenados, por eles mesmos, a uma convivência (ou ausência) calada e cruel. Eu penso na Carta ao pai, de Kafka. Ou ainda no inesquecível enfrentamento que se dá entre pai e filho no romance Lavoura Arcaica, de Raduan Nasser… Pais e filhos, taciturnos ou loquazes, têm me interessado ao longo da minha vida de leitor. Jamais esqueço o dia em que li Mar de Azov pela primeira vez. Chovia em Salvador no momento em que eu terminava a leitura do conto e eu sentia que precisava sair do apartamento para extravasar toda a euforia que o texto havia me proporcionado. Fui andar pelas ruas, ébrio de imagens, sem me importar com a chuva.

O conto de Hélio Pólvora representou não apenas o diálogo que por muito tempo quis encontrar na relação com meu pai, mas também a primeira grande inspiração para um dia reunir em livro os textos que agora você tem nas mãos.

Trecho:
Cap. Procurar e perder

Excerto de “Em nome do filho”, páginas 30-37 publicado pela Editora Lê, Belo Horizonte, 1993.

“Quando fui procurar Nado, escolhi de propósito um sábado.
Para mim um dia de folga, para Marília de muito trabalho, pelo menos durante a manhã. Eu queria estar sozinho com Bernardo.
Pensava realmente em levá-lo para a publicidade. O que sempre vi como a minha perdição se mostrava agora o caminho da salvação de meu filho. Já tinha sondado os fotógrafos que prestavam serviço à agência para ver se aceitavam Nado. Mas tudo dependia da vontade dele. E eu gostaria que desta vez Marília não estivesse no meio.

Por isso acordei mais cedo, mal me incomodei com a presença de Marilene, ainda dormindo ao meu lado. A separação também não ia demorar. Entrei no carro meio ansioso, pensando se não ia tirar o menino da cama. Mas preferia acordá-lo. A me arriscar a chegar tarde e encontrar a casa vazia.


Nado tinha acabado de acordar. E pelo visto tencionava voltar pra cama.

– Oi – ele me abriu a porta, com um jeito contrariado.
– Desculpa eu ter vindo tão cedo… – tentei dar uma explicação mas ele me impediu.
– Senta um pouco aí na sala e me dá um tempo.

Vi que ele levou um copo de suco para o quarto. Então achei estranho que estivesse enrolado num lençol O suco era para quem estava com ele.

Nado voltou vestido e notei alguém entrando no banheiro.
Ele veio se sentar à minha frente.

– Parece que a gente está um pouco solene hoje – eu disse.
– É que eu estava acompanhado…
– Você tem uma mãe muito liberal. Marília nem deve se incomodar com suas aventuras.
– Não é bem assim. Na verdade ela não ficou sabendo.

Ela já estava dormindo, quando a gente chegou ontem à noite.
A Marília ainda é um pouco careta… Minha vida sexual, ela prefere não comentar e vejo que ela fica… sei lá, meio chateada com esses lances…

– Pois não é o que ela passa pra mim.
– Mãe é assim, defende sempre o filho lá fora. Mas em casa quebra o pau com ele.”

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