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Antologias – Machado de Assis – contos e recontos

MACHADO DE ASSIS – CONTOS E RECONTOS
A cartomante
recontado por Lino de Albergaria
Editora Salesiana

Sinopse:
Existe uma distância a separar o jovem leitor, não de Machado de Assis, mas do Brasil em que ele viveu e da linguagem utilizada na época. Este livro procura vencer tal barreira.

São sete contos do repertório machadiano recontados por diferentes autores. E depois de receber Machado no século XXI, o leitor vai se sentir estimulado a faz\er o percurso inverso: visitá-lo no século XIX.

Trecho:
Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não possuía um só argumento; limitava-se a negar tudo.
E digo mal, porque negar é ainda afirmar, e ele não formulava a incredulidade; diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi andando. (Machado de Assis)


– Não acredito mesmo! – comentei com o motorista. Ele, ao lado, me lançou um olhar curioso.
– Não acredito em videntes nem em cartomantes – expliquei.

Estávamos presos num engarrafamento. O calor infernal fez com que eu deixasse aberta a janela do táxi. Esquivando-se entre os carros que mal se movimentavam, o garoto continuava distribuindo seus folhetos. Um deles estava em minhas mãos.

“Ajuda espiritual. As cartas do tarô favorecem suas questões amorosas, financeiras ou de trabalho.” Um nome feminino, o número de um celular e um endereço seguiam-se ao texto, em letras menores e mais claras. Aliás, a rua e o número situavam-se bem perto daquela esquina. Por isso entendi a presença do garoto que tratava de arrumar clientes para a mulher de nome tão pouco sugestivo. Cláudia. Em vez de Cassandra ou Lúcia.

– Discordo do senhor – disse o motorista.
– Para você, então, as cartas não mentem jamais? – perguntei com um sorriso que acompanhava a ironia de minhas palavras.
– Nunca ouviu falar das profecias de Nostradamus? Nem do terceiro segredo de Fátima?
– Claro que já, só que não acredito em nada disso.
– Moço, eu acredito. Minha mãe era médium vidente.
– Não é mais?
– Ela morreu, mas sempre tinha sonhos premonitórios.

No mais estranho, sonhou como iria morrer, com quase todos os detalhes.

– Você conhece essa Cláudia? – perguntei.

Não que eu tivesse a mais remota curiosidade sobre o trabalho dessa mulher. Mas estava mesmo preso naquele táxi. Na verdade, nem tinha tanta pressa em terminar minha viagem. Não estava muito convencido de que deveria atender ao chamado de Vilela, o amigo de quem me afastara, por causa de Rita. Vilela e Rita ainda estavam casados, ela me dizia que ele nunca lhe daria o divórcio, por isso tomava todo o cuidado para esconder nossos encontros. Eu até achava melhor assim, nem queria a Rita só para mim. Aceitei logo que nosso caso permanecesse em segredo, sem nunca entender ou checar o ciúme exagerado daquele amigo de adolescência. Ciúme para mim era coisa de outra época. Ou de literatura. Coisa para Dom Casmurro se torturar com a infidelidade de Capitu, que ninguém podia provar. Ou para Otelo destruir Desdêmona e a si mesmo, graças às intrigas de lago.”

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